Ramati: segredos de um ex-preso político

 
RAMATI: SEGREDOS DE UM EX-PRESO POLÍTICO:
FUNCIONÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES FRANCA, EX-MILITANTE DE ESQUERDA FOI PRESO, TORTURADO, EXILADO PELA DITADURA MILITAR E SÓ É DESCOBERTO 38 ANOS DEPOIS  

Ele foi preso, torturado e exilado em Israel após passar por Uruguai, Chile e Peru e chegar ao Oriente Médio de navio. Voltou clandestinamente ao Brasil em 1975 e ainda guardou por 30 longos anos, o segredo que marcou sua juventude e sua vida, embora tivesse sido anistiado em 1979. Apenas 38 anos depois de ter sido preso e se exilado, reencontrou seus irmãos. Sua esposa e filhos só foram conhecê-lo verdadeiramente 27 anos depois, recentemente, em julho de 2005. 
Nascido em 9 de fevereiro de 1943 em Santos Dumont (MG), filho Eurípides Soares dos Santos e Carolina Alves dos Santos e tendo os irmãos Maria José Alves dos Santos Odaléa Alves dos Santos e Roberto Alves,militante político em Juiz de Fora e Rio de Janeiro no período que antecedeu o golpe militar de 1964 e os anos de chumbo da ditadura, seu codinome é seu nome ao inverso Ramati.
Como cidadão brasileiro ele é Itamar Alves dos Santos, hoje um recatado servidor da Câmara Municipal de Franca. Trabalha no Centro de Processamento de Dados do legislativo desde 1985. Ramati tem 65 anos e poucas, muito poucas pessoas conhecem sua verdadeira história de vida.
O anonimato, mantido por vários anos mesmo depois da anistia teve uma finalidade: proteger a família. Tal sacrifício o levou a se ausentar dos pais e irmãos por mais de 38 anos. Os pais morreram e foram sepultados sem saber que ele estava vivo.
Ramati decidiu se abrir depois que, numa busca incessante, sua sobrinha, Roberta Lopes Alves, então estudante universitária de Juiz de Fora (MG) vendo o sofrimento do pai Roberto Alves, irmão de Itamar, resolve investigar e após 4 anos, o encontra em sua secreta e recatada vida de funcionário público em Franca. 
Em setembro de 2005 ele reencontrou os irmãos Odaléa, 58 e Roberto, 53. Outra irmã, Maria José, como os pais, Eurípides e Carolina, morreram durante o exílio do então militante esquerdista.
Itamar começou sua militância política ainda garoto, em 1956, aos 13. Começou integrando a Juventude Operária Católica. “Meu tio era comunista e eu entregava o jornalzinho do movimento a pedido dele. No final da rua ficava com um exemplar para ler. Fui me politizando cada vez mais. Tomando consciência socialista”. 
Foi filiado no PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), de Leonel Brizola, aos 18 anos. É quando integra os movimentos estudantis como membro do Movimento de Vanguarda Nacionalista, o Grupo dos 11 e a Juventude Universitária Católica. 
No Grupo dos 11, movimento paramilitar fundado por Leonel Brizola para ser resistência ao Golpe Militar de 1964, Itamar teve participação mais ativa quando estava na Estrada de Ferro Central do Brasil, entre Rio de Janeiro e em Juiz de Fora, onde morava. Foi num tempo em que estudantes, trabalhadores, artistas e intelectuais se empenhavam na democratização da educação e da cultura.
O Presidente João Goulart, aproximara-se destes setores mais à esquerda com medidas nacionalistas como a Lei de Remessa de Lucro e discutia-se amplamente a reforma agrária, tendo como referência importante as Ligas Camponesas, organizadas pelo lendário Francisco Julião.
Setores conservadores precipitaram o golpe que depõe Jango, implantam uma ditadura militar, que logo nas primeiras semanas, demite 10 mil funcionários públicos, prende 40 mil pessoas, destrói 25 mil livros de autores diferentes e cassa os direitos políticos de 2.700 cidadãos, dando início a um terrível período, que infelicitou a Nação por mais de 20 anos.
Em dezembro de 1967, Itamar foi preso e torturado. “Na época cursava o 3º ano de Engenharia Eletrônica na PUC do Rio de Janeiro, havia saído a 8 meses da Central do Brasil e estava só por conta do movimento”.
“Fiquei preso no Forte de Copacabana, no Rio, e na sede do 10º Regimento de Infantaria, em Juiz de Fora. Passei por todo tipo de tortura: pau de arara, choque elétrico, tortura psicológica”. Itamar diz que os militares da repressão queriam o que já tinham. “O Itamar estava preso e eles procuravam o Ramati, o agitador que enfrentava a revolução”. Na época as células do movimento de Vanguarda Nacionalista tinham alguns líderes exponenciais. “Eu era um deles, mas por minha sorte não imaginavam que eu era o procurado Ramati”. 
Em 1968, no “Comício dos 100 mil” Itamar foi novamente preso e torturado. “Em janeiro de 1970, me soltaram achando que iria contatar Ramati, mas preparei minha fuga”. Fugiu para o Uruguai onde se encontrou com Brizola. O velho caudilho aconselhou o grupo a se distanciar ainda mais. Estava em curso no Uruguai, a famosa “Operação Condor”, uma verdadeira “caça as bruxas”, onde se tentava localizar, prender e até eliminar revolucionários como os integrantes do Grupo dos 11. 
Chile, Peru e finalmente Israel foram as próximas paradas do agora exilado militante esquerdista. “Fugi de navio e fui para Israel, onde fiquei de janeiro de 1970 a dezembro de 1975. Quando voltei fui viver clandestinamente em Sabará (MG), onde permaneci até a anistia, em 1979”. 
Embora tenha se libertado um pouco do temor da perseguição dos militares, Itamar casou-se em junho daquele ano com Gerolisa de Almeida Santos, com quem tem os filhos Peter Abdo Nasser Almeida Santos e Geromara Weruska Chaff Almeida Santos. 
Para reconstruir sua vida, Ramati foi enviado, já como Itamar Alves dos Santos, para Franca. Aqui foi ajudado por Domenico Pugliesi, professor e militante após a anistia, do PT (Partido dos Trabalhadores) recentemente falecido.
“Minha mulher, com quem casei em Sabará, conviveu comigo sem saber nada do meu passado de militância, de prisão política, de tortura. Só contei em julho do ano passado, quando reuni a família e finalmente mostrei a ela e aos meus filhos quem verdadeiramente eu tinha sido no passado”. 
“A anistia de 1979 foi um engodo e não nos dava a tranqüilidade necessária. Só após a morte do general Newton Cruz (um linha-dura das medidas de exceção da ditadura militar) é que o pessoal foi criando coragem para expor seu verdadeiro passado”, diz Itamar. 
Foi com medo do ranço da ditadura que Ramati se escondeu em seu próprio mundo. Retornou ao Brasil pelo Rio Grande do Sul. Se readaptou em Santana do Livramento e retornou a Minas. Na mineira Sabará viveu como hippie, fazendo artesanato. Um mineiro se passando por gaúcho em Minas. Perdeu seus sonhos, sua juventude e deixou porte da vida numa névoa de segredos e mistérios, só agora revelados. 
O jovem Itamar não assistiu os pais no leito da morte nem pôde sepultá-los. Só pôde abraçar irmãos e amigos e ser o verdadeiro Itamar Alves dos Santos, 38 anos depois de desaparecer e ser dado como morto. Até então foi lembrado apenas como mais uma das centenas de vítimas da Ditadura Militar.
NO SOFRIMENTO DO ANONIMATO, A PROTEÇÃO À FAMÍLIA 
Itamar Alves dos Santos voltou a ser Ramati em julho de 2005 quando sua sobrinha, Roberta Lopes Alves, 20, filha de seu irmão Roberto Alves, 53, o localizou em Franca após intensa pesquisa que incluiu órgãos de segurança, entidades de direitos humanos, empresas por onde o “jovem anarquista” havia trabalhado, a Polícia Federal, a Justiça Militar e a internet. 
Por eliminação de homônimos chegou ao telefone de Itamar. A primeira ligação durou 40 minutos e ambos choraram a maior parte do tempo, trocando informações contidas pela distância e pelo anonimato.
“Fiquei surpreso com aquilo tudo. Estava no trabalho e de repente alguém me liga dizendo ser de Juiz de Fora. Jamais podia imaginar que era um parente à minha procura”, explica Itamar. O ex-militante de esquerda jamais podia imaginar que era um parente que sequer conhecia, à sua procura. “Estava sem contato com eles desde dezembro de 1967. Ninguém tinha notícia se eu estava no Brasil ou se estava vivo”.
“Saudade sempre tive, mas como fui preso, perseguido, torturado e considerado subversivo, afastei-me, porque nunca quis colocar ninguém de minha família em perigo, Segundo meus irmãos, minha mãe morreu sonhando rever-me um dia”, conta.
Itamar ainda se emociona do primeiro contato após 38 anos: “Minha sobrinha Roberta me devolveu o que eu havia perdido em relação à minha família: a esperança de reencontrar meus irmãos e amigos, além de poder me abrir com minha esposa e meus filhos”.
Em 1986 o sofrimento da distância chegou ao ápice. Por meio de contatos que eu tinha cheguei a ser informado da morte de minha mãe. “Chorei por uma semana, escondido dos colegas de trabalho, da mulher e dos filhos. Queria muito ter ido ao enterro, mas temia ser seguido e colocar em risco a vida dos familiares”. 
A anistia a presos e exilados políticos havia chegado em 1979, mas Itamar, sete anos depois ainda desconfiava dela e só acreditou mesmo em liberdade em 1989, já no governo Collor. “Foi quando as coisas se distenderam de verdade”, diz.
Itamar diz que ainda hoje sente insegurança e que durante o exílio, tanto fora quanto dentro do Brasil, passou aniversários e noites de Natal sozinho. “Em cada uma dessas datas sonhava abraçar pais e irmãos, mas não podia sequer imaginar se caso descobrissem o endereço deles”.
Itamar afirma que o esforço seu e de seus companheiros de luta iniciou a longa caminhada pela volta da democracia e da liberdade no Brasil. “Plantamos uma semente que ainda vai florir. Tenho fé que as prisões e torturas não foram em vão”, demonstrando ainda ter nas palavras e ideais, resquícios do romantismo que norteava os estudantes engajados na luta de esquerda nas décadas de 60 e 70. 
TORTURA, SOFRIMENTO E SONHOS PERDIDOS 
Itamar Alves dos Santos afirma ter deixado os estudos de Engenharia Eletrônica por conta da militância política. A vida aparentemente tranqüila, caseira, de hoje, contrasta com um passado difícil de esquecer. Tem a resposta na ponta da língua quando perguntando sobre o que conseguiu com uma história de tanto sofrimento e solidão interior:
“Até agora só tive os castigos e as lembranças que me atormentam. Até hoje, o que mais me incomoda é o barulho de uma goteira numa lata qualquer”. “Quando estava preso no Forte de Copacabana, durante as sessões de tortura, com mãos e pés amarrados, colocavam água pingando na cabeça da gente e numa lata ao lado. Fique no pau-de-arara, levei choque elétrico com o corpo molhado, fiquei amarrado na masmorra que era inundada quase até me afogar”, conta Itamar.
Ao contrário de alguns presos e perseguidos políticos, Itamar nunca reconheceu nenhum de seus torturadores. “Eram todos covardes. Iam para nos torturar, encapuzados e quase nunca conversavam. Só aplicavam incessantemente aqueles castigos. Quando achávamos que tudo havia terminado, no meio da noite lá vinham eles, como novos espancamentos, mais choques, mais tortura psicológica”.
Itamar confessa que a tortura psicológica mais terrível era a do sorteio.
“Colocavam os nomes dos presos num saco de papel e retiravam um nome, dizendo que o sorteado seria mandado embora. Mas na verdade, o nome que aparecia era o de quem seria submetido a mais uma sessão de tortura”.
Hoje se contenta com a alegria de ter reencontrado os familiares, amigos e ex-companheiros. Em setembro do ano passado retornou a Juiz de Fora com a família, dois meses depois de ter sido localizado pela sobrinha Roberta. “Muitos dos conhecidos achavam que eu estava morto. Fui ao Cine Theatro Central, onde, fazia a panfletagem na época de militância 1964 e1965”. 
Entre os amigos Itamar reencontrou o viúvo Clodsmidt Riani, ex-deputado estadual pelo PTB, ainda morador em Juiz de Fora. Riani foi companheiro de militância e de partido de Itamar até a época de 1964 quando o partido entrou para a clandestinidade. 
“Itamar Alves dos Santos participou aqui em Juiz de Fora nas lutas para as reformas de base do Estado brasileiro, objetivando o engrandecimento do País e para a verdadeira independência e garantia para as futuras gerações”, diz Clodsmidt Riani, em carta de referência partidária assinada em 11 de abril deste ano. Outros companheiros Dr. José Luiz Guedes ex-presidente da UNE 1966 e 1967, Nery Mendonça Professor e Advogados, O Sargento Reinaldo Abrão, que Itamar o chamar de Anjo, porque durante sua prisão no 10º RI em Juiz de Fora, Abrão dava comida para eles. No site Ramati.info, esta o depoimentos e mensagens de seus compaheiros de luta. 
CÓDIGO MORSE, PANFLETAGEM E PICHAÇÃO CONTRA O GOLPE 
Ramati surgiu no Grupo dos 11, no final de 1962 e início de 1963. O movimento criado pelo então deputado Leonel Brizola reunia principalmente ferroviários e estudantes, trabalhadores, artistas e intelectuais que defendiam a legalidade da posse e do mandato do vice-presidente João Goulart, cunhado de Brizola, logo após a renúncia de Jânio Quadros, em agosto de 1961. 
Onze era o número ideal para se iniciar uma celula. Corria, à época, o boato de que existia clima para um golpe de derrubada de Jango. Os boatos de golpe circulavam tanto fora do governo quanto dentro dele. Estava prestes a ser aberta a temporada de caça. Quem seria o caçador ou a caça, ninguém, sabia ao certo. O mais certo porém era de que o movimento era liderado por Brizola, a partir do Rio Grande do Sul, reforçado por Rio de Janeiro.
Ferroviários e estudantes foram escolhidos para integrarem o Grupo dos 11 porque eram classes muito unidas e com facilidade de comunicação. No caso dos ferroviários, tanto pelo vai-e-vem dos trens quanto pelo uso do Código Morse entre as estações da Estrada de Ferro Central do Brasil (entre Rio e Juiz de Fora) onde Itamar, o Ramati, trabalhava.
O Grupo dos 11 se reunia nos aparelhos casas escolhidas a dedo e mantidas sobre absoluto segredo. Definidas as estratégias, militantes como Itamar saíam às ruas nas madrugadas pichando paredes com mensagens consideradas subversivas e distribuindo panfletos que fazia crescer o movimento contra o golpe, de 31 de março de 1964, em que o presidente Jango foi deposto e sendo exilado no Uruguai, onde morreria.
Itamar explica porque se tem tanta saudade daquela época efervescente e de idealismos: “As classes trabalhistas quase não se organizam. A esquerda é uma direitona. Os estudantes se movimentam timidamente. A educação deveria ser a base da representatividade política sólida. A corrupção dos governos civis é tão grande quanto a que imaginávamos ocorreria nos governos militares pós-golpe”. 
Ramati afirma que hoje é compreensível as imagens de jovens combatendo e sendo combatidos se repitam nos filmes da época e os jovens de hoje olhem espantados por toda aquela coragem. “Era muito mais que isso. Era a vida de cada um que estava em jogo. Nosso Grupo dos 11 também sofreu com a ditadura. Foram tempos difíceis e de lutas desiguais. Um tempo que levou consigo a nostalgia de se lutar pelo que se acreditava”.
Hoje Itamar Alves dos Santos tem a felicidade de manter renovados contatos com amigos, fazendo novas amizades e Ministrando Palestra onde enfoca o Trabalho em Grupo, Motivação e Sucesso, Organização e Planejamento, Todo baseado no cotidiano de sua vida e em situações vividas durante a militância política e o combate a ditadura. Pois acredita no seguinte lema.  
Onde não a união não haverá Progresso
Onde não a Fé em si não haverá Sucesso
 
Contacto através do Email: ramati@com4.com.br. 

Telefone 0xx 16 37049413
Celular 0xx 16 92121554


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