Anistiados

Anistiados eram vigiados e temidos por militares


Regime tentou impedir reintegração de ex-exilados a atividades cotidianas


Marcelo de Moraes
Vannildo Mendes


O regime militar usou seu aparato de espionagem, com infiltrações, campanas e colaborações externas, para acompanhar os passos de exilados que voltavam ao Brasil em 1979, beneficiados pela Lei da Anistia, conforme se pode observar em dezenas de dossiês do Serviço Nacional de Informação (SNI). Os dossiês sobre o tema "anistiados", aos quais o Estado teve acesso, constam do acervo de documentos do regime militar, disponibilizados para pesquisa no Arquivo Nacional.
Os arquivos revelam que o regime tentou impedir ou dificultar ao máximo o retorno dos anistiados às suas atividades profissionais e ao convívio nacional. "Os anistiados (...) têm externado seus propósitos de continuar engajados na luta política de oposição ao regime", adverte, por exemplo, o relatório de registro Q0003414.
Havia atenção redobrada em relação às atividades de ex-militantes de organizações clandestinas de esquerda, cujos endereços pessoais e de seus familiares eram mapeados permanentemente, conforme descreve o relatório E0084736. A vigilância se estendia aos organismos legais que o regime acreditava que mantinham ligações com "organizações subversivas". Na prática, isso incluía ONGs e organizações sociais em geral, religiosas inclusive, nas quais os subversivos, na visão do SNI, desenvolviam "atividades de infiltração e mobilização".
Mas nenhum dos anistiados causava tanta apreensão aos órgãos da repressão como Leonel Brizola, que viria a se eleger governador do Rio, em 1982. Com relatos de agentes infiltrados e até de informantes possivelmente estrangeiros, o SNI monitorou todos os passos de Brizola (identificado pelas iniciais LMB) e seus seguidores no Uruguai, na preparação para o retorno ao Brasil.
O relatório A0038258 descreve que "esquerdistas brasileiros já anistiados e possuidores de passaporte, porém ainda residentes no Uruguai, têm procurado LMB (...) para tratar da obtenção de fundos para o retorno, em massa, dos subversivos brasileiros radicados em Montevidéu". Relata ainda que, pelo acerto entre eles, Brizola arrecadaria o dinheiro e, em troca, "receberia o apoio dos retornados para a reestruturação do PTB no Rio de Janeiro".
O clima dos relatos é alarmista. "Embora anistiados, persiste a periculosidade de determinados elementos, em particular daqueles envolvidos anteriormente na luta armada", diz um deles. Faz sentido: a volta dos anistiados acelerou a redemocratização de várias formas.

 

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