Diretas Já

 

 
Brasil, abril de 1984: um país se veste de verde e amarelo e vai às ruas em um só grito: "Diretas Já!". Quatrocentas mil pessoas em Belo Horizonte, um milhão no Rio, 1,7 milhão nas ruas, em São Paulo, e manifestações de grande porte em todas as grandes cidades do país revelam claramente os anseios da população: eleições diretas para presidente! A realização de um pleito presidencial poria um ponto final em um longo período de arbítrio e repressão, iniciado vinte anos antes, com o Golpe Militar.
A campanha começou em 27 de novembro de 1983, numa manifestação convocada pelo Partido dos Trabalhadores, na praça do Pacaembu (SP), que contou com dez mil pessoas. No mesmo dia, morria o senador Teotônio Vilella, que se tornaria um dos símbolos da campanha. A partir daí, o movimento ganhou o país, cresceu e envolveu todos os partidos de oposição à ditadura militar (PMDB, PDT, PT, PC do B, PCB, etc.), que, juntamente com entidades como a UNE, ANDES, OAB, ABI, setores da Igreja, sindicatos e muitos outros, formariam a “Caravana pelas Diretas”. Esta percorreu o Brasil, representando o anseio de 90% da população brasileira. "Buzinaços" e "panelaços" marcavam a espontaneidade do movimento, que se transformou na maior mobilização popular de todos os tempos na história do Brasil.

Com efeito, o Brasil nunca foi um modelo de democracia. O sistema eleitoral brasileiro sempre primou pela exclusão das camadas despossuídas, além de apresentar vícios crônicos, como as fraudes, os “currais eleitorais” e o comércio de votos. Poucas vezes houve eleições para Presidente da República, e raramente os eleitos conseguiram terminar o seu mandato. A partir de 1964, a política eleitoral do regime militar se tornou mais perversa. A ditadura restringiu o direito de voto, mudando várias vezes a legislação eleitoral para barrar o crescimento nas urnas da oposição, aglutinada no MDB. Assim, foram suprimidas as eleições diretas para presidente, governadores, prefeitos de capitais, distrito federal e cidades consideradas de “segurança nacional". Por outro lado, era igualmente instituída a figura extemporânea do senador "biônico", dentre outras medidas, a fim de estabelecer uma artificial superioridade numérica do partido de sustentação da ditadura - a ARENA – no colégio eleitoral que elegia, de forma indireta, o presidente da República.
O povo brasileiro estava reivindicando mais que o direito de eleger o presidente. Vinte anos depois de instalada, a Ditadura Militar encontrava dificuldades para se manter. Havia já uma insatisfação generalizada por grande parte da população, que não aceitava mais a violência despendida pelas Forças Armadas na "manutenção da segurança e da ordem", nem estava disposta a pagar pela crise econômica, submetendo-se a uma política de arrocho que congelava salários e aumentava os níveis de desemprego. As grandes greves, entre 1978 e 83, e o crescimento das oposições nas urnas, a despeito das manobras na legislação eleitoral, eram uma demonstração clara de tal insatisfação. 
As grandes manifestações que tomavam as ruas e envolviam pessoas e grupos políticos os mais diversos tentavam sensibilizar o Congresso Nacional para a aprovação do projeto de autoria do deputado Dante de Oliveira, que propunha as eleições diretas já para a escolha do sucessor do último mandatário do regime militar. No dia 25 de abril de 1984, a emenda das Diretas foi submetida à votação no Congresso Nacional e, para surpresa e enorme decepção do povo, foi derrotada. A decepção contagiou o país inteiro. Estudantes, trabalhadores, intelectuais protestaram e proclamaram a continuidade da luta. Porém, na surdina dos grandes conchavos, as novas elites, representando a oposição democrática liberal, e as velhas elites, constituídas pelas lideranças civis ligadas ao regime militar, firmaram um pacto que resultaria na eleição indireta de Tancredo Neves, em detrimento de Paulo Maluf (o candidato civil do PDS - a antiga ARENA, em 25 de janeiro de 1985, na última e mais concorrida reunião do Colégio Eleitoral (somente dois deputados federais do PT se recusaram a participar, seguindo a determinação do seu partido, que, fiel ao seu caráter radicalmente democrático e popular, repudiou o acordo entre as elites).
 Por ironia do destino, Tancredo Neves adoece pouco antes da posse vindo a falecer após um longo período de agonia. Assim, o seu vice, José Sarney, dissidente de última hora do PDS, torna-se presidente da República. No dizer de Dalmo de Abreu Dallari “Não poderia haver fim mais melancólico para a extraordinária cruzada cívica que foi a Campanha das Diretas”. No entanto, o povo brasileiro havia conseguido uma grande vitória: demonstrar às elites políticas que a sua capacidade de mobilização, apesar de toda a repressão implementada pela Ditadura Militar, não haveria de cessar. 
 
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